domingo, 12 de fevereiro de 2012


ALMOÇOS GRÁTIS

Quando a conferência teve finalmente o intervalo, por volta das duas da tarde, o grande hall central apinhou-se de imediato. Encostada à parede, a mulher de tailleur azul abriu a mala e tirou a barra energética que iria ser o seu almoço. Trincou-a alheada, vendo à sua frente desconhecidos lutando delicadamente pela exígua comida deixada na mesa ao centro do espaço aberto. Observou sorrisos e ouviu palavras amáveis desprendendo-se dos confrontos firmes e mudos pelas sandes e croquetes que desapareciam de cima da toalha branca. À sua direita viu a mulher de tailleur preto que estivera sentada a seu lado durante a manhã aproximar-se. «Péssimo catering» disse esta com ar abatido «hoje não almoço». A mulher de tailleur azul despertou da apatia e compadeceu-se. Partiu metade da sua barra oferecendo-lhe a parte ainda embrulhada na prata. «Não. Não» murmurou a outra surpreendida mas a segunda insistência conquistou-a e agradeceu com o alívio estampado no rosto. Apresentaram-se; falaram dos seus empregos e do que as levara ali. Cochicharam toda a tarde, vencendo juntas a sonolência propagada pelos Powerpoint e, no final, combinaram no dia seguinte chegar mais cedo para um café. Nessa noite, a mulher de tailleur azul voltou contente a casa. Não sentia a fome do estômago, nem o cansaço das pernas ao caminhar. Deu por si a pensar que na vida pequenos gestos podiam abraçar o mundo aos bocadinhos. No dia seguinte fez como combinado: chegou cedo e procurou-a. Não a viu. Tentou voltar para o lugar da véspera mas este encontrava-se ocupado e teve de se sentar junto a um sujeito que a olhou de alto a baixo e aproveitou a primeira deixa para meter conversa. Quando as luzes começavam a desvanecer-se viu-a entrar na sala acompanhando indivíduos de ar solene. Sentou-se com eles, na primeira fila, em cadeiras reservadas. Depois caiu a escuridão. À hora do almoço a mulher de tailleur azul voltou a encostar-se à mesma parede enquanto à frente o mesmo implacável combate educado pelos croquetes se tornava a desenrolar. Trouxe sandes desta vez e comeu-as lentamente. Viu então a mulher de tailler preto passar à sua frente. Esta reparou nela e aproximou-se sorrindo. «Olá» disse «hoje não me deixei desprevenir.» Dito isto, abriu a mala. Lá dentro estava uma embalagem de bolachas Oreo. «Gosto tanto dessas bolachas!» exclamou involuntariamente a mulher de tailleur azul «a minha mãe dava-se sempre uma e um copo de leite morno antes de me deitar quando era criança». A outra olhou-a incrédula; depois disse «Ah… sim? Referia-me ao passe VIP que o meu director me arranjou para ir almoçar com os conferencistas. Pediu-me para acompanhá-los hoje. Não pôde vir». Tirou então um cartão verde plastificado da mala e exibiu-o orgulhosa. «Bom… Tenho de ir. Depois do almoço vou ter de preparar um monte de papelada. Tem de ser: não há almoços grátis neste mundo, como sabe! Foi um prazer conhecê-la. Adeus». E desapareceu por entre a multidão de desconhecidos que no grande hall central se amontoavam de forma cortês.
©João Paulo Carreteiro 2012




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