quinta-feira, 28 de agosto de 2008

É a vida

Tem este post o propósito de relembrar quão breve e delicada é a vida humana. O torpor nevoento em que me encontrava nas férias, provocado por vários não-acontecimentos, desapareceu já, soprado pela sucessão de notícias deste primeiro dia de trabalho. Tudo começou pelo post de uma amiga minha de outras terras que me parece estar a entrar numa espiral de auto-destruição e perante a qual, nada posso fazer. Seguiu-se depois a boa notícia do dia: dia 8 começo a exercer a minha verdadeira carreira, após anos e anos de deambulações. Afinal o meu plano resultou e, pelo menos a nível profissional, começo a colher os primeiros frutos da sementeira feita há seis anos atrás (no meio do maior desespero). A minha comunicação sobre o "fim do mundo" está a ser bem recebida, também. Irei falar dela com mais detalhe, em breve. Esta sementeira, feita há um ano atrás, talvez por ter sido feita em terra menos agreste corre bem, apesar de alguns aguaceiros inesperados.
E agora recebi a noticia de que o pai de uma amiga minha faleceu, vitíma de uma mistura de diabetes e da alarvidade endémica nos Hospitais públicos portugueses.
Nem sei o que lhe dizer.

A vida é demasiado importante para deixarmos de semear. Não importa onde a semente caia. Semear é preciso.
Segue-se um pedaço do filme "Papillon" que me tem perseguido desde a primeira vez que o vi, tinha eu uns dezasseis ou dezassete anos.



O trágico da coisa é que já nessa altura eu carregava este sentimento comigo. Desde então muito pouca coisa mudou no que lhe diz respeito.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Youkali Tango - É, uma vez mais, dia 11 de Agosto



C'est presqu'au bout du monde (It was almost to the end of the world)
Ma barque vagabonde (That my wandering boat)
Errant au gré de l'onde (Straying at the will of the waves)
M'y conduisit un jour (Led me one day)
L'île est toute petite (The isle is very small)
Mais la fée que l'habite (But the kind fairy that lives there)
Gentiment nous invite (Invites us)
A en faire le tour (To take a look around)

Youkali Youkali
C'est le pays de nos désirs (Is the land of our desires)
Youkali Youkali
C'est le bonheur, c'est le plaisir (Is happiness, pleasure)
Youkali Youkali
C'est la terre où l'on quitte tous les soucis (Is the land where we forget all our worries)
C'est, dans notre nuit, comme une éclaircie (It is in our night, like a bright rift)
L'étoile qu'on suit (The star we follow)
C'est Youkali (It is Youkali)

Youkali Youkali
C'est le respect de tous les voeux échangés (Is the respect of all vows exchanged)
Youkali Youkali
C'est le pays des beaux amours partagés (Is the land of love returned)
C'est l'espérance (It is the hope)
Qui est au coeur de tous les humains (That is in every human heart)
La délivrance (The deliverance)
Que nous attendons tous pour demain (We await for tomorrow)

Youkali Youkali
C'est le pays de nos désirs (Is the land of our desires)
Youkali Youkali
C'est le bonheur, c'est le plaisir (Is happiness, pleasure)
Mais c'est un rêve, une folie (But it is a dream, a folly)
Il n'y a pas de Youkali (There is no Youkali)

Et la vie nous entraîne (And life carries us along)
Lassante, quotidienne (Tediously, day by day)
Mais la pauvre âme humaine (But the poor human soul)
Cherchant partout l'oubli (Seeking forgetfulness everywhere)
A, pour quitter la terre (Has, in order to escape the world)
Se trouver le mystère (Managed to find the mystery)
Où rêves se terrent (In which our dreams burrow themselves)
En quelque Youkali (In some Youkali)

Youkali Youkali
C'est le pays de nos désirs (Is the land of our desires)
Youkali Youkali
C'est le bonheur, c'est le plaisir (Is happiness, pleasure)
Youkali Youkali
C'est la terre où l'on quitte tous les soucis (Is the land where we forget all our worries)
C'est, dans notre nuit, comme une éclaircie (It is in our night, like a bright rift)
L'étoile qu'on suit (The star we follow)
C'est Youkali (It is Youkali)

Youkali Youkali
C'est le respect de tous les voeux échangés (Is the respect of all vows exchanged)
Youkali Youkali
C'est le pays des beaux amours partagés (Is the land of love returned)
C'est l'espérance (It is the hope)
Qui est au coeur de tous les humains (That is in every human heart)
La délivrance (The deliverance)
Que nous attendons tous pour demain (We await for tomorrow)

Youkali Youkali
C'est le pays de nos désirs (Is the land of our desires)
Youkali Youkali
C'est le bonheur, c'est le plaisir (Is happiness, pleasure)
Mais c'est un rêve, une folie (But it is a dream, a folly)
Il n'y a pas de Youkali (There is no Youkali)

Mais c'est un rêve, une folie (But it is a dream, a folly)
Il n'y a pas de Youkali (There is no Youkali)

Kurt Weil (interpretado por Klaus Herzog)

sábado, 26 de julho de 2008

Eu, ao Raio X

Áqueles que não me conhecem ao vivo e a cores, dedico a imagem deste post. Sim, porque como assevera a moral vigente: "o que interessa é o interior de uma pessoa". Portanto, aqui está um raio X da minha mão esquerda. Verifica-se também que a lesão provocada no jogo dos Lusitanos F.C. não provocou uma fractura, apenas a ruptura da articulação "interfalangeal próxima". Não é visível nesta imagem do raio X mas no original vê-se algo de profundamente errado nessa articulação.
Devia ter ido mais cedo, claro. Pelo o que o médico me disse "agora já estaria curado". Pois...
Em relação ao Hospital propriamente dito, acho uma tragédia que a maior parte da população portuguesa não tenha acesso a Unidades como esta. Tudo ficou pronto ao fim de vinte e cinco minutos e paguei apenas vinte Euros (valor que me será reembolsado no próximo ordenado). Ao sair da Unidade de Saúde dei por mim a pensar nos pobres e no que lhes acontecerá quando o Sistema Nacional de Saúde entrar definitivamente em colapso por via da inflação.

Doacção de órgãos? Isso já era: com a despenalização do aborto e os avanços da genética não tardará muito a fazer-se a recolha dos mesmos nos fetos retirados e posterior desenvolvimento para implante em adultos/crianças. Já li sobre experiências nesse sentido, não sei onde. Horrível? Porquê? Não se decidiu que a vida humana só começa à décima segunda semana? Então, qual é o problema?

E se os pobres tivessem cuidados hospitalares só às terças e quintas? Ou se se fizessem sorteios na sala de espera?
Talvez o governo devesse legislar nesse sentido.

Fica a sugestão.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Razões - Um dia na vida de Rasputine Zoompt

No último fim de semana um amigo meu perguntou-me porque razão escrevo este blogue. Na altura aliviei-me de alguns lugares comuns, mas antes da bebedeira começar a fazer-se sentir, prometi a mim mesmo responder a essa pergunta aqui, afinal o sítio indicado. Não, não é para treinar a escrita, ou para dizer mal deste país, ou mesmo, como recentemente alguém me disse, para exercer a minha actividade de "Zoompt, o metafórico". Vou descrever-vos um dia típico na minha vida. Tirem as vossas conclusões:

(Dez e um quarto da manhã. Zoompt já está no local de trabalho há uma hora e meia. Viaja pelo site da Kitco à procura de artigos interessantes pois os principais mercados ou estão fechados ou em início de sessão. Entra um casal de meia idade. Olham para ele e para as colegas, a seu lado. Escolhem-no, claro, devem vir tratar "de um assunto sério". Caso contrário teriam escolhido a Cl., ou qualquer outra das suas colegas. Para estes clientes, os homens é que tratam das coisas "importantes").

Zoompt: Bom dia. Queiram sentar-se.
Cliente-macho: Bom dia. Obrigado. Vimos fazer uma denúncia.
Zoompt (pensa): País de pides...
Cliente-macho (aclára a voz): É por causa de um consumo ilegal de água no 3º Esquerdo. Roubam lá água e andam a consumi-la.
Cliente-fêmea: Eles estão sempre a abrir as torneiras. São uns brasileiros e andam sempre a entrar e saír.
Zoompt (Pensa: país de redundância. País de xenófobos mesquinhos. Muda para a aplicação do Ganha-pão): Tem de me dar a morada. Mas aviso-o que não podemos fornecer dados de clientes.
Cliente-fêmea: viémos fazer-vos um favor! Vocês não se importam que roubem água? Lá no 3º Esquerdo estão sempre a entrar e a sair. E andam sempre com grandes zabumbas [sic]. São brasileiros.
Zoompt (disfarçando o nojo misturado com riso): tem de me dar a morada completa. Só 3º Esq não chego lá.
Cliente-macho: É na [...]. No 3º esq. mas se é para não fazer nada vamos embora. Mas não lhes diga nada a eles!
(Toca o telefone)
Zoompt (procura os locais de consumo, sentindo náuseas. O nome no local indicado é português. Vê os recibos: tem dívidas! E desde 2006!): Tem o contrato activo. Sabe qual é o nome da pessoa que lá mora?
Cilente-macho: Vocês é que deviam saber! Eles andam a tirar água.
Zoompt: Muito bem. Vamos analisar a situação mas quanto ao resto só poderei dar informações ao próprio e...
Cliente-macho: Não nos denuncíe. Eles podem partir a casa toda se descobrirem...
Zoompt (pensando): Olá... serão os proprietários? Ah... querem correr com os inquilinos...
Cliente-fêmea: Mas esse contrato que aí está é de quem?
Zoompt (impassível) : Só posso dizer essas informações ao próprio.
Ciente-macho (explodindo): Eh vocês... vocês têm a lata de entrar nas casas das pessoas para lhes fechar a água se passar um dia. Mas a essa brasileirada que por aí anda não querem saber!
Zoompt (maximiza o site da kitco. Descobre nos links dos comentários, um muito interessante sobre as dificuldades que as empresas mineradoras de metais raros estão a encontrar por causa do preço do petróleo. Esta dificuldade reflecte-se, por exemplo, no preço dos automóveis eléctricos serem o que são. Abre-o e começa a ler).
Cliente-macho: Não vai fazer nada?
Zoompt: Nada, como? Já lhe disse que vamos verificar a sítuação neste local de consumo. O resto só com o próprio. Deseja mais alguma informação?
Cliente- fêmea (olha para o marido e parece dizer qualquer coisa com o olhar): Não achas que devíamos...
Cliente-macho: Eles têm a obrigação de fechar a água. Há roubo! Os ladrões neste país...
Zoompt (Deixa a Kitco. Procura na aplicação qual é o nome do proprietário. É o mesmo do cliente. Olha que giro!): Se quiser que eu faça alguma coisa, terá de se identificar e apresentar uma reclamação por escrito.
Cliente-macho (tira o b.i. e mostra-o): Estamos muito mal neste país...
Zoompt (verifica ser não só o cliente, mas também o proprietário): O senhor é então o cliente. Muito bem: tem 24 recibos em relaxe no Tribunal de execuções fiscais, além disso...
Cliente-macho (levantando-se): # $*#!% Pró *#!%&* São os brasileiros que lá estão a roubar a água! Não está a perceber?
(Toca o telefone)
Zoompt (encara a esposa): Minha senhora, não tenho de ouvir isto. Se aquele senhor insistir neste comportamento vou ter de o convidar a sair.
Cliente-fêmea: Acálma-te [...]. Olha que o senhor só está a fazer o trabalho dele.
Zoompt (Que raio de trabalho... pensa. Olha para o Gmail. Nada que me reconforte...): Sente-se que eu explico-lhe o que pode fazer. O senhor tem lá inquilinos, não tem?
Cliente-macho (mais calmo: com ar prostrado): Meti lá uns brasileiros, mas não há contrato de arrendamento porque lhes quis facilitar a vida.
Zoompt (Pensa: Ah... ilegais... que bonito): Precisamos da leitura do contador. Caso contrário, não podemos dar baixa e as dívidas vão continuar a acumular-se em seu nome.
Cliente-fêmea: mas eles não querem de lá sair.
Zoompt: Nós não somos a polícia, minha senhora.
Subitamente, a base do ecrã ilumina-se de cor de laranja. Um nome aparece: é ela! Zoompt clica. A gente defronte de si some-se por um abismo de esquecimento.
Ela [no chat]: Bdia!
Zoompt (Pensa: Bom dia, linda. Apareceste na altura certa para me serenar. Tecla: Bom dia! Estás bem?)
Cliente-macho: Tem de lhes cortar a água no olho de boi! Porque não fazem isso?
Ela: já aderi ao blog
Zoompt (olha para o cliente): Nós já fizémos isso. Mas alguém abriu. Podemos insistir, porém...
Cliente-fêmea: Não vale a pena. São uns brasileiros que lá andam e fazem patifarias. Vão-nos escavacar a casa toda.
(Toca o telefone)
Zoompt: O primeiro passo é pôr isso tudo por escrito. O problema é que como não fez contrato de arrendamento, não pode indicar nenhum responsável (bem feita - pensa). Deve pois ir às Execuções ficais, solicitar-nos, depois, a baixa por escrito e também solicitar a remoção do ramal.
Ela: mas vou ter de ver como é k vou entrar no blog com outro nome.
Zoompt (tecla no chat "ok" e pensa: esqueci-me de fazer o mesmo para o meu nome. Como se fará? Depois pergunto-lhe. Diz então ao Cliente): Solicitar a remoção de um ramal significa pagar, depois a sua reposição. Estamos a falar de um valor à volta dos 200 Euro.
Cliente-macho: Ladrões. Como é que os Serviços deixam chegar esta situação até este estado!!
Zoompt (perplexo): Nós???
Ela: esta semana nao vou ter tempo para nada mas para a semana espero começar a dedicar-me a este tipo de actividade e até à reabertura do meu [...] =)
Zoompt (tecla): aleluia!!(Que maravilha! Pensa. Pelo que lá vi, é uma pena ela o ter interrompido durante tanto tempo...)
Cliente-fêmea: Os senhores têm de perceber que nós não temos posses para isso. Os senhorios têm muitas despesas...

Zoompt (tenta concentrar-se): talvez. Mas para isso é que há os contratos de arrendamento, não é?
Cliente-macho: Quanto é que nós devemos?
Zoompt (impacientando-se porque quer ir para o chat tratar da vida): tem de ir às Execuções fiscais. Eu aqui não tenho acesso a essas facturas.
O Gmail manifesta outra vez a cor laranja:
Ela: mas ainda vo ter de pesquisar, por isso talvez mais umas duas semaninhas para a rentree
Zoompt: aquilo foi so para lançar o blog. as coisas depois definem-se melhor.estamos todos cheios de coisas para fazer
Cliente-macho: E onde são as Execuções Fiscais?
Zoompt: São nesta morada (escreve-a num papel. Pensa se seria melhor mandar primeiro pela janela a mulher ou o homem).
Cliente-macho (levanta-se. A mulher levanta-se imediatamente): Voltaremos aqui para tratar depois do encerramento do contrato.

(Toca o telefone)
Zoompt: Não vale a pena. Temos um balcão junto às Execuções Fiscais, onde pode fazer tudo o que faz aqui. Eu dou-lhe a morada.
Cliente-macho: Ah! Mas é que o senhor já iniciou este processo e já está dentro do assunto.
Zoompt (sorri. Pensa): Chatos! Porra para vocês! Querem uma babby-sitter também?
Ela: pois acredita que sim. esta semana para mim vai ser para ganir mesmo! Não imaginas daki a uns tempos conto. ja vi as fotos o [...] ja mas deu o [...] ja mas deu ha pco lololol

Zoompt (ouve o riso dela dentro de si. Visualiza-a sentada à mesa, nas instalações do "Projecto Lázaro", escrevendo no seu portátil. Muito bonito é o seu riso, pensa).
Cliente-fêmea: ah! Sei que senhor até está interessado em ajudar-nos. Vejo pelo seu sorriso!
Zoompt: Anh? Sim... mas vão lá às Execuções Fiscais. E não se esqueça que depois terá de arranjar a leitura do contador para poder dar a baixa.

Zoompt (tecla): ok. a frase "o [...] ja mas deu ha pco" é enigmática mas dps contas... boa sorte para esta semana, seja la o que for!
Cliente-macho (de pé, abrindo os braços): Era só o que me faltava! Então não me tinha dito que depois de ir às Execuções Fiscais, ou lá o que é, a baixa ficava dada?
Zoompt (indignado): Onde é que eu lhe disse isso? Não me esteve a ouvir?
Cliente-fêmea: Deixa lá. Eu explico-te pelo caminho. Nós já cá voltamos que o senhor vai-nos resolver isto.
Cliente-macho: Eles não querem saber! Essa brasileirada meteu-se lá dentro. A companhia não faz nada e eu é que tenho de pagar?!
Zoompt: Pode provar que tem inquilinos nesse prédio? Não pode, pois não?
Ela: enigmatico é o teu matrix lololol mas eu tb tenho algo de 4 e percebi! lolol
Zoompt (Pensa: Rapariga, ficaria surpreendido era se não tivesses percebido, eheheh...tens demasiado de 4 para o deixar escapar e demasiado de mulher para não admitir que percebeste...)
Cliente-macho: Vocês vão logo cortar a água se eu tivesse uma factura atrasada. Mas como é para gajos que não fazem nenhum, apáram-lhes os golpes todos!
(Toca o telefone)
Zoompt: o senhor não tem 1 recibo em relaxe. Tem 24. Não se esqueça que depois tem de reparar o olho-de- boi. Quanto à baixa, precisamos da leitura, não se esqueça...
Zoompt (tecla): nada disso. e clarinho como a agua lol; pera vem ai o senhor da h[...]
(Aparece o funcionário da H[...] com as ordens de corte na mão). Zoompt aproveita e levanta-se para recebê-las. O casal parece hesitar entre insistir nas suas questões e ir-se embora. Acabam por decidir afastar-se.
Funcionário da H[...]: Olá Zoompt! Ontem foi uma boa colheita! Aqui estão os cortes...
Cliente-macho (dirigindo-se para a saída): A quem deviam ir, vocês não vão!!! Sempre quero ver se a água fica cortada depois de eu ir pagar a água dos outros.
Zoompt (vê o casal desaparecer pela porta automática e diz): Há gente estúpida como penedos, Sr.[...]. Estes aqui ainda vão dar água pela barba. Senhorios...
Ela: Vá não te empato mais.
Zoompt (Recebe as ordens de corte e guarda-as no cesto respectivo. Tecla então, sentindo ter de voltar ao trabalho): OK bjs
(O funcionário da H[...] volta para o exterior. Já não existem clientes no recinto ou telefones para atender.
Zoompt volta a mergulhar no site da Kitco. Pelo menos aí encontra alguma lógica).

terça-feira, 15 de julho de 2008

Dia Internacional do homem

Ontem à noite estive no chat com a P. Ela é brasileira e informou-me ser hoje, no Brasil, "Dia nacional do homem" (refiro-me ao macho da espécie)! Fartei-me de rir e, emocionado por semelhante extravagância, agradeci-lhe, em nome da minha parte da humanidade, por se terem lembrado de nós.
Ela trabalha na USP e, sendo universitária sul-americana da área de humanidades, é consequentemente parte de uma tribo obcecada com "a raça", a "identidade", o "género" e coisas assim. Por isso garantiu-me que o dia se destinava a "comemorar os feitos do homem" e que se havia proposto, no contexto de um pequeno inquérito universitário, a perguntar junto dos seus conhecidos qual achavam serem os três maiores feitos da respectiva parte da espécie:
Depois de uns momentos de galhofa provocada por ter dito: "1) aturár-vos; 2) ouvir-vos; 3)amár-vos." Respondi-lhe, mais sério: "1) a ciência; 2) a escrita; 3) o vôo artificial".

Exclamou: "Mas isso são conquistas da Humanidade!"
Concordei, acrescentando: mas fomos nós que as iniciámos/criámos e as desenvolvemos depois, quase sempre sozinhos (embora por escolha própria, é certo). E também podia juntar a arte, a música, o paraquedismo, o dinheiro, a agricultura, a apicultura, o fogo, a religião organizada, a bússola, os desportos radicais, a democracia, a internet e por aí fora.
Perante a ira demostrada do outro lado do Atlântico, achei melhor explicar-me:
Eu sugeri que as descobertas e conquistas da humanidade (a nível técnico e artístico que as partes sentimental e social vêm, claro, dos nossos antepassados primatas) deverão ser-nos atribuídas com toda a justiça. Isso mesmo. Como afirma o actual "discurso oficial", eivado de feminismo, foram os homens que "definiram o mundo como ele está", frase cheia de azedume. Por mim tudo bem, já se disse o mesmo dos "arianos", dos "operários", dos "capitalistas", dos "judeus" e de um enorme desfile de grupos e sub-grupos. Agora são os "homens". Porém, se somos responsabilizados pelas perversões dos usos das conquistas humanas, devemos também ser creditados, quer por elas, quer pelo que de bom nos deram, não? Nem que seja só no "nosso" dia.
* * *
Veio depois a arenga dela e respectivos conselhos. Li, como um aluno mal comportado lê uma reprimenda. E não insisti, claro. Eu gosto muito dela mas conheço os dogmas do actual mundo universitário e sei que toda esta questão, mesmo a do "Dia nacional do homem" esconde as complexas forças da "identidade de género" ou lá qual é o nome que lhe dão. E como acho que essa maneira de ver o mundo não é adequada a ler a realidade, sempre que posso, tento "desconstruí-la" (para usar o jargão da seita).
Enquanto lia as suas palavras, tive assim, a ideia de fazer um post dedicado ao "15 de Julho", bem como algumas considerações sobre o futuro das relações homem-mulher (neste aspecto em particular).
* * *
Eis o sumo do que concluí:
Como acontece com todas as ideologias que se tornam "imperiais", o feminismo, sentiu a necessidade de "invadir a Rússia". Essa Rússia - esse território vital que precisa de controlar - é o controlo da procriação e da sexualidade. A sua arma, a pílula.
Mas sendo as coisas o que são, suspeito que, como no passado aconteceu com os invasores de outras Rússias, o feminismo há-de embater no respectivo "inverno russo" e despedaçar-se-á em mil bocados.
Esse "inverno russo" é o desastre demográfico que envolve todos os países nos quais as mulheres conseguem o domínio sobre estas questões. É que, para além de um certo limite (a substituição geracional), a sociedade torna-se incapaz de se regenerar. Imaginem o que seria tentar fazer a "Revolução dos anos 60" numa sociedade com mais "pais" que "jovens" . Não se faria, claro. Deliro? Eis dois exemplos: o Japão e a China actuais...
E quanto àqueles que sonham com os imigrantes para "fazer a revolução" ou para "construir a economia", desenganem-se, porque eles vêem de sociedades... bom... conservadoras (já para não dizer francamente reaccionárias).
Gostaria a menina/senhora que me lê de viver numa sociedade islamizada ou africanizada? Hum...? ;)
Temo, pois, que a queda demografica seja para o feminismo, o que o Inverno russo foi para Gustavo IX, Napoleão e Hitler.
Tal como estes três conquistadores, o feminismo, através da pílula, avançou rapidamente pela vastidão da realidade que pretendia conquistar. Mas a rapidez do seu sucesso acabará, julgo, por plantar a semente da sua derrota. Por enquanto, ainda estamos na fase de Borodino, de Kiew ou da conquista de Smomlensk. Mas é bom que se verifique se o equipamento de inverno já está a ser reúnido em Varsóvia e em Vilnius. Parece-me que não...
A Rússia atinge temperaturas, no Inverno, na ordem dos 50º negativos...
Feliz dia do homem!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Filhos de um deus menor

Estava eu a meio de mais uma tarde sonolenta no ganha-pão quando me aterrou na caixa de mail nova newsletter da Space Review, uma revista on-line destinada à promoção e reflexão das questões espaciais. Jeff Foust, o seu director, é um jornalista espacial, trabalhando como analista na Futron Corporation do Maryland; por outras palavras é, como eu, alguém que passou de "Neerd" a "Geek". Só que (muito) mais bem pago.

Calhou a newsletter desta semana ser especialmente interessante e adequar-se como uma luva ao presente! Com efeito, a temática do post "Crepúsculo dos Deuses" trata necessariamente, para além do poder da América, da diminuição do poder da Europa, o qual, deixou um espaço vago que a URSS e os E.U.A. ocuparam durante a Guerra Fria e actualmente é ocupado pela América sozinha, rodeada apenas por um punhado de "candidatos a candidatos".
E existe também a cimeira Mediterrânica. Não que tenha grande mérito, para além dos proverbiais apertos de mãos e fotos oficiais. Sempre dá, porém, para os vizinhos se falarem e, mais importante, aproveitando o desfile do 14 de Julho, para o Líbano e a Síria se encontrarem frente-a-frente, "convidados por Sarkozy, como que por acaso", sem suscitar histerismos nos respectivos extremistas, como já topou o sempre atento Sic Semper Tirannys.

No que diz respeito ao artigo da Space Review: "French military space policy: more of the same", de Taylor Dinerman, o que me chamou a atenção foi a tese apresentada de que o desejo francês de adoptar uma política militar espacial independente, revela apenas um espantoso erro de cálculo que poderá (infiro eu) ter consequências desastrosas para a Europa. Segundo Dinerman, as razões para a França fazer isto não se prendem apenas com basófia política (que existe). Existe também um lado oculto (embora fantasioso) de que caso os E.U.A., um dia, saiam da Europa (a bem ou a mal), os políticos europeu se voltem para a França como fornecedora de protecção, liderança militar e, sobretudo, brinquedos bélicos. Esta tese, para além dos lucros económicos envolvidos, postula que nesse dia, um século de humilhações (não sejamos mauzinhos iniciando a conta em 1870) e impotências várias sejam vingadas: sem disparar um tiro, a França assumiria o controlo efectivo da Europa, santo Graal deste país deste Luís XIV (senão antes).

E como conseguirá a França alcançar esse desiderato? É simples: em termos de doutrina militar, e ao invés dos restantes países Europeus, a França tem seguido uma política "generalista", isto é, as suas forças armadas pretendem ser uma espécie de "exército americano em miniatura", tendo tudo o que este tem, mas em menor quantidade.

Infelizmente, dada a realidade das coisas, esta ambição tem como consequência, segundo Dinerman, paralisar as forças armadas francesas numa hipertrofia de objectivos, armamento e efectivos que tornam pesada a sua eficácia no presente em favor de uma hipotética capacidade futura. Postula o Eliseu (desde De Gaule) que os europeus tendo forças "especialistas" e, portanto, incapazes (teoricamente) de se defenderem sozinhos, se voltariam para a única potência "generalista", num aperto. A abrangência de capacidades do exército francês, mostrar-se-ia, então, por defeito, a fonte única de capacidade de coordenação (isto é, liderança). As forças armadas francesas seriam "insufladas" pela Europa, tiritando atrás de si (como a "Grande Armée" de Napoleão, com 40% de efectivos recrutados na Alemanha, Espanha, Portugal, itália, etc., bem como, a sua marinha - cheia de espanhois, holandeses e até dinamarqueses e suecos).
Esta retorcida lógica, fruto de décadas e décadas de impotência, assenta porém, em falácias:
- Em primeiro lugar, não se percebe muito bem como reagirão, em termo de rapidez de mobilização, as forças armadas francesas no caso da retirada americana ser rápida (ou até caótica). Uma coisa é ir dar uns tiros à Costa do Marfim, outra enfrentar, sozinha, ameaças de grandes potências.
- Caso a retirada seja gradual e "enquadrada politicamente" como sabe a França que pode, também gradualmente, substituir a América? E se só poder garantir "um bocadinho de protecção? Quem garante o resto? Uma amálgama de regimentos europeus?
- Neste ultimo caso, se a França abdicar a meio do caminho deste plano megalómano e permitir aos outros países Europeus criarem um verdadeiro "exército comum", no qual, terá necessariamente de partilhar a liderança, que acontecerá então? Deitará fora décadas de doutrina militar sob a pressão dos acontecimentos? Tentará perigosas porque ambíguas "formas híbridas" para salvar a face? Qual será a capacidade combativa de semelhante força, se nascer desmoralizada e cheia de atalhos políticos?

Entendo que este caminho não irá levar a bom porto, porque reduz de forma significativa o espaço de manobra e a flexibilidade necessárias à defesa da Europa. Também não sabemos, caso haja uma ameaça, se os países europeus a verão da mesma maneira. Os instrutivos acontecimentos da Jugoslávia dos anos 90 e da participação inglesa na II Guerra do Golfo são de muito mau agouro.
Tendo em conta a inexistência de um exército europeu e as ameaças ligadas à diminuição das reservas de petróleo (essencial para pôr a andar os brinquedos bélicos), é bom que se pense na política que a França estouvadamente leva a cabo.
Winston Churchill disse uma vez "Graça a Deus existe o exército francês".
Infelizmente disse-o em 1939.
Acho que "pensar a Europa", como se diz por aí, é bem mais do que pensar em tratados de papel.

domingo, 13 de julho de 2008

O crepúsculo dos Deuses

Hoje acordei interactivo. Tenho uma proposta a fazer:
A Fl, essa fonte constante de boas ideias, sejam culinárias, científicas ou sentimentais, sugeriu-me há dias, como primeiro tema da nova actividade do "Projecto Lázaro" (as "tertúlias romanas") o seguinte:
E se abordassem o tema das semelhanças e diferenças entre o Império Americano e o Império Romano? Sempre dava para utilizar as duas costelas do "Projecto Lázaro": a literatura e a história.
Como sabemos, a existência de semelhanças entre os dois impérios (e respectivas sociedades) tem sido uma ideia perene na consciência da Europa do século XX. Com boa razão: afinal os Estados Unidos são a maior potência mundial, seja a nível económico, financeiro, militar e cultural. Nenhum outro país ou grupo de países pode reclamar semelhante estatuto, pelo menos desde 1945. Será o seu "imperium" semelhante/diferente do de Roma? Em que sentido?
Claro que daqui a uns tempos, "as tertúlias romanas" terão o seu próprio blog, mas gostava de usar este post como balão de ensaio, Qual é a vossa opinião, cara(o) leitores da Cabine? Obrigado.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Dâmocles & associados, S.A. - I Parte

Dada a minha conjuntura actual parecer o ambiente que se vive actualmente nos mercados financeiros, achei interessante e de muito bom tom opinar sobre os ditos. Para além disso, os participantes (nos mercados financeiros), embora apresentem uma cara relativamente despreocupada na comunicação social (percebe-se porquê), permanecem, desde Agosto do ano passado, à beira de um ataque de nervos. No meu caso, a coisa tem apenas algumas horas mas francamente, embora não ache que vá ajudar quem quer que seja a fazer escolhas mais sábias (inclusivé eu próprio), servirá pelo menos para me distrair. Certo?

É já sabedoria convencional achar "que algo vai mal" nos bancos, nas empresas, na vida em geral. Mas nem por isso vejo comentadas na comunicação social as causas profundas da situação mundial. Afinal o que se passa com o dinheiro? Quando muito, dizem: "estamos numa recessão" ou "a entrar nela"; nada que "acções concertadas" como ouvi dizer anteontem na CNBC, "não resolvam". Esta comunicação social a que me refiro, está claro, não é a nacional porque essa, coitada, limita-se a reproduzir os comunicados da A.P. ou da Reuters e o que vêm nos canais lá do Planeta Terra. Não faz mal: o público também não é muito exigente. Mas em relação aos leitores da Cabine é forçoso subir a fasquia, até porque, pelo que tenho visto no contador de visitas ao perfil já vamos nas três centenas de visitantes. Bravo! Há pelo menos público no circo!
O que vou dizer a seguir não apareceu na minha cabeça, como Minerva, mas é o resultado das opiniões existentes nos meus blogs preferidos, no Economist (o melhor periódico económico que por aí anda), da minha visita aos Estados Unidos (em 2006) e das observações que faço no dia-a-dia, de taxistas a colegas do ganha-pão. O resto são deduções retiradas da História, a qual, como sabemos tem tendência para se repetir.

Peço, pois, que dêem uma olhada a esses blogs e sites se acharem que exagero; afinal, eles falam do futuro próximo de todos e fazem-no de uma forma magistral. São pessoas que andam no meio e estão repletos daquele humor que só o desespero consegue gerar. Aqui estão: Kitco.com, PrudentBear.com, Going Private, Kunstler.com, Sic Semper Tyrannis e o extraordinário Cassandra does Tokyo, descoberto por mim há coisa de dois meses e actualmente o meu blog preferido.

As origens do problema financeiro actual.
(um modesto contributo)

Era uma vez um sistema financeiro internacional baseado nos compromissos assumidos no "Acordo de Bretton Woods". Esse acordo, resultado da vitória dos Estados Unidos da 2ª Guerra Mundial, pretendia, entre outras coisas, juntar duas virtudes: o rigor exigido pelo ouro como garante último das transacções internacionais e a flexibilidade do papel-moeda como gerador de riqueza. O dólar, moeda do vencedor e maior credor mundial, serviria de ponte entre estas duas necessidades aparentemente antagónicas. Durante quase três três decadas, a coisa funcionou, permitindo o financiamento de tudo desde a guerra da Coreia à animação de rua do Maio de 68.
Mas como é próprio dos Impérios, os Estados Unidos, em resultado dos gastos com o seu próprio "pão & circo" (programas sociais/subsidios vários & sociedade de consumo), e da necessidade de pagar a guerra do Vietname e manter o aparelho militar-industrial, deram o passo que tantas vezes no passado plantou a semente da destruição imperial: a desvolarização da moeda através do divórcio entre esta e o ouro. O garante do acordo, a solidez do dólar, desapareceu assim do dia para a noite.
Esta medida ocorreu no dia 15 de Agosto de 1971 pelas mãos do Presidente Nixon: o dólar deixaria de ser automaticamente convertido em ouro. Isto significa que o Tesouro dos Estados Unidos e a Reserva Federal se poderiam recusar a trocar papel moeda por barras de ouro. A América ficaria assim livre para imprimir o papel de que necessitasse. E, meu Deus, como o imprimiu! Observem o seguinte gráfico:


Desde 1971 a quantidade de dólares a circular por esse mundo fora subiu vertiginosamente, cortesia da reserva federal americana. Como qualquer estudante da história económica da antiguidade sabe, os Césares fizem exactamente o mesmo diminuindo a quantidade de ouro e prata nas moedas e aumentando o número das mesmas. Resultado: queda na confiança na unidade monetária e uma espiral de inflação.
Actualmente é esse o cenário que se vive. Porque não é apenas um problema do dólar. Às suas respectivas escalas todos os países, libertos da disciplina do ouro e acorrentados à disciplina da insaciabilidade popular e da tentativa de se manterem competitivos através da desvolarização da moeda (a China, por exemplo; Portugal até ao Euro, outro exemplo), fizeram exactamente o mesmo. Quem tiver paciência para procurar o crescimento da massa monetária em países escolhidos ao acaso acabará por chegar a um gráfico semelhante. Quem não tiver pode sempre apreciar a situação no Zimbabwe, como um exemplo edificante do que significa imprimir dinheiro como se não existisse amanhã.

* * *
E que tem isto a ver com a situação actual? Vamos por partes; o post já vai longo. Continuarei esta temática durante a semana...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

As minhas guerras nº5

Editorial do The Times de 6 de Abril de 1917
(tradução livre)

A América entrou na Guerra! Hurrah! Após três longos anos a defender o direito à felicidade na Flandres, na Itália e na Rússia, a Entente Cordiale, vê agora a galante jovem nação do outro lado do oceano aproximar-se na luta contra o Imperialismo do Kaiser.

Que laços nos uniam, era já do conhecimento dos mais avisados nas nações esclarecidas. Afinal, não falamos nós a mesma linguagem? Não temos nós o mesmo amor à liberdade, à alegria de viver e à cultura das coisas belas e interessantes?
Mesmo quando, entre nós, alguns sectores cépticos duvidavam da exequibilidade de uma aliança (dadas as circunstâncias!), aqueles que se entregaram com generosidade à causa dos Aliados, nunca perderam a esperança de ver este dia.

* * *

Mas chegados aqui urge fazer algumas considerações sinceras, sob pena de se cometer o hediondo pecado da arrogância.
Estará a guerra ganha? Não! Convençamo-nos disso! A guerra acaba quando acaba, não antes. E depois, mais importante ainda, é necessário ganhar a paz. A declaração do Congresso americano, enviada há dois dias atrás, dá-nos apenas uma maior esperança de que guerra tenha um desfecho vitorioso para o mundo livre. Mas dá-nos apenas isso.
É que como o amor, a guerra, tem as suas próprias leis. E é necessário obedecê-las.
O primeiro-ministro, Lord Ashquit, advertiu a nação esta manhã, no parlamento, de que é necessário dar tempo à América para que ela se prepare emocionalmente e sacuda de forma completa, a corrente isolacionista que a tem paralisado e tanta angústia tem causado deste lado do Atlântico.
Este não é um tempo para exaltações e pressas. O tempo dos começos é o mais delicado de todos porque é o tempo em que os equilíbrios de cada lado devem ser detectados e alinhados. Ai de quem os descura.

S.A.R. o Principe de Gales, decidiu por isso, dar um passo simbólico e, ao mesmo tempo resolutivo e demonstrativo, da nossa firme intenção de nos unirmos à América na causa comum:

Fontes seguras informam que será convidada para um jantar a dois no Palácio de Buckingham (ou em outro sítio a definir) uma famosa cidadã americana residente em Inglaterra. O nome desta não nos foi revelado (embora haja rumores bastante plausiveis) nem a data. Será, porém, em breve, assim que for oportuno para as duas partes.

A redação do The Times deseja-lhes um jantar descontraído e, acima de tudo, feliz.

domingo, 6 de julho de 2008

Eneagramas - Nota prévia

Na última quinta-feira acompanhado dos membros do "Projecto Lázaro" e de alguns convidados, fui até Arganil participar numa extraordinária experiência de vida. É, de facto, um privilégio conhecer pessoas assim e ter a oportunidade de passar, na sua companhia, tantos momentos em que a leveza e a profundidade se combinaram para conceber permanências. Em três dias, foi obra.
O pretexto foi uma acção de formação sobre Eneagramas.
Sucintamente, um eneagrama é uma ferramenta para nos conhecermos a nós próprios. Através de uma geometrização do nosso eu, o enagrama descobre a força dominante da nossa personalidade
, facilitando assim a análise desta no que diz respeito aos seus pontos fortes e fracos, bem como a sua interacção com o mundo. Ele detecta os nossos hábitos, medos, temperamento e qualidades, enquadrando-os na lógica de um todo racionalizável e, pelo menos, à superfície, explicável.
Uma ferramenta é um meio para permitir um fim; neste caso, o fim é a resposta ao pedido escrito nas paredes do Templo de Apolo, em Delfos: "Conhece-te a ti próprio".
Claro que este pedido é uma impossibilidade. Mas pelo menos, podemos caminhar na sua direcção e, mais importante, ao fazê-lo, descobrir nos outros o que eles são, de modo a conseguir chegar, da melhor maneira possível, até eles.
É por isso que o Eneagrama é igualmente um processo de transformação. Apresentado tradicionalmente de forma oral e em pequenos grupos, é essencial a participação de todos na busca do auto-conhecimento. Não é um caiaque, digamos; é uma embarcação para vários remadores.

***

Dito isto, percebe-se que apanhados numa secção de Eneagrama, os participantes depressa se vêem expostos a uma grande intensidade emocional. Convém perceber esta realidade porque, pelo menos no meu caso, e com a excepção de um dos organizadores, eu não conhecia nenhum dos presentes ainda há um ano atrás. É necessário uma grande dose de confiança mútua. Nestas secções percorre-se bastante gelo fino. Convém não correr; convém não demorar muito tempo em alguns lugares.
* * *

Mas vamos já para o que me levou a escrever estas linhas. Agora que voltámos ao nosso dia-a-dia, deixo-vos (a vocês e aos leitores da Cabine) algumas reflexões sobre o que se passou em Arganil. E porquê? Primeiro, porque este blog é o meu diário; segundo por ter algumas reservas em relação aos Eneagramas; terceiro... Hum... por outras razões...
Infelizmente para os outros leitores do blog algumas das coisas escritas parecerão demasiado obscuras. Desculpem lá: os três posts abaixo não foram feitos a pensar no "grande público"!
Consequentemente, não serão aceites comentários, excepto dos presentes em Arganil.

* * *

Resta dizer umas palavras sobre a apresentação daqueles três dias ao mundo. Se há coisa que quero preservar é a confidencialidade do que lá se passou, como é óbvio. Portanto, nada de iniciais - como costumo fazer aqui na Cabine.
A confidencialidade, porém, é muitas vezes amante da metáfora e da alegoria. Por isso fiz da necessidade virtude e, para melhor poder exprimir o que realmente aprendi em Arganil, decidi comparar esta formação ao filme "The Matrix", o qual, pondo de parte o fogo-de-artifício, aborda os mesmo temas.
Caso algum de vós não tenham visto o filme... paciência. Vão aqui para terem uma ideia.
Espero, todavia, que o lago de metáforas que vão ler tenha as águas suficientemente claras para não dar origem a mal-entendidos!
Bom... mas deslindar os novelos de duplos sentidos que nós - os 4 deste mundo - criamos é, afinal, uma das razões de ser das vossas licenciaturas/mestrados/doutoramentos, certo? ;)

* * *

Sentem-se portanto confortalmente. Vão buscar uma chávena de chá frio (ou algo mais potente) e... espero que gostem.

MATRIX em Arganil (TESE)

Mas que diabo tem o "Matrix" a ver com os Enagramas de Arganil? Tem muito a ver: o enredo do filme assenta no pressuposto de que a maioria dos seres humanos julga viver "na realidade", quando afinal, todos nós nos encontramos, de uma forma ou de outra, alienados desta. No filme, os seres humanos, sem o saberem, vivem do nascimento à morte, em envolucros estanques, ligando-se unicamente através da mente, numa realidade imaginária chamada matrix. Na acção de formação constatámos (para resumir) que de certa maneira as pessoas vivem assim. A humanidade encontra-se encerrada nos seus próprios "Eu" individuais, relacionando-se com os outros de formas muitas vezes artificiais e deturpadas. Atente-se nisto, porém: não é que não possamos viver as nossas vidas de forma mais ou menos feliz nestas condições. O problema está no dispêndio de energia, desperdício, mal entendidos, atritos, confrontos e sobretudo angústia gerada em vidas desconectadas umas das outras. Esta interpretação, note-se, não surgiu só da minha cabeça. Muito boa gente chegou lá antes. E para gostos classicistas há sempre a alegoria da caverna.

* * *

Entra novamente o Matrix. No início do filme um sujeito chamado Neo, é contactado por um grupo de desconhecidos chefiados por Morpheus, o qual, é o líder do movimento de resistência que procura libertar a humanidade da escravatura imposta pelas máquinas. Em Arganil, tivemos a sorte de ter dois "Morpheus", o formador que apresentou os Eneagramas e o organizador do evento, o actual coordenador do "Projecto Lázaro". Por conveniência vou chamar ao primeiro "Morpheus J" e ao segundo "Morpheus E". À sua maneira, eles também nos procuram dar meios para derrotarmos um tipo muito especial de escravatura: a escravatura das reacções automáticas que possuímos quando procuramos reagir ao stress. São sobretudo estas reacções que ao embater nos outros ou nós próprios, provocam o sofrimento e a desconexão com o(s) outro(s). Tal como no filme as máquinas retiravam o seu sustento da electricidade gerada pelos humanos, também estas reacções automáticas retiram do nosso interior a energia que bem direcionada poderia propiciar boas acções. É uma coisa bastante parecida que no filme, Morpheus, explica a Neo mostrando-lhe uma pilha. Os nossos pontos fortes e fracos são essa pilha.
* * *

Confrontado com a realidade enunciada por Morpheus, Neo - que ainda vive na matrix - tem de escolher entre engolir a "pilula vermelha" (escolher viver na realidade) e a "pilula azul" (escolher viver na matrix). Uma decisão semelhante é, afinal, aquela que se apresentará mais tarde ou mais cedo a todos os que se propõem partir à descoberta de si próprios:
Como é que vai ser a partir de agora? Que fazer a seguir? Tornarmo-nos melhores seres humanos, crescendo para dentro e para fora (pílula vermelha)? Ou então, manter tudo na mesma, gozando calmamente a tranquilidade artificial dos vícios inerentes a cada "número" (pílula azul)?
Esta, claro, será uma decisão que irá ser tomada, repetidamente, ao longo da vida e em cada momento dela, até ao seu final. Ao contrário do filme, as escolhas importantes levam tempo a maturar e são produtos de acções que se desenrolam ao longo do tempo, em cenários sob constante mutação.

* * *

A vertente mais proveitosa da nossa expedição a Arganil não foram, todavia, os Eneagramas. Eles foram mais o pretexto, afinal. Tratou-se de uma viagem em que o lazer e a proximidade humana constituíram os pontos fortes. Mas nem sempre, o lazer propriamente dito ou a abertura da alma perante o grupo, foi o potenciador da aproximação. No que me diz respeito, a electricidade gerada, foi suficiente para proporcionar momentos como aquele, por exemplo, em que a Trinity - tal como aconteceu no filme Matrix - se vê frente-a-frente com o Agente Smith. Em Arganil, vi a nossa versão dela, esgrimar com o seu próprio Agente Smith interior para me conseguir revelar um pedacinho do que mais profundo lhe deve andar pela alma.
Só resta saber se, como aconteceu no filme, a nossa Trinity irá ganhar-lhe.
Desejo-lhe toda a força do mundo. Se há alguém neste planeta que merece uma vitória sobre si própria é ela.

MATRIX em Arganil (ANTíTESE)

Há um problema com o Enagrama. Aliás, existem vários, parece-me. Esta minha intuição (é disso que se trata; não tenho provas para afirmar o contrário) aparece, sem dúvida, por apenas ter vislumbrado uma parte pequenina do iceberg. Mas eu sou um filho de Demócrito e como tal um céptico por natureza, agarrado a uma estrita visão do mundo em que apenas o que pode ser provado matematicamente, existe.
Aristóteles disse uma vez que se quisermos conhecer algo devemos analisar o seu começo. Pelo que vi na Internet as referências ao Sr. Gurdjieff (o criador, digamos, deste método de análise psicológica) não me deixam nada sossegado. Demasiado misticismo e esoterismo (apesar de este o ter negado, é verdade). Muito menos a história do seu continuador, Oscar Ichazo e da Escola de Arica (que consolidou a forma actual de análise). O facto de os seus responsáveis não deixarem aceder aos arquivos é um sinal suspeito. E não me venham falar de "periodos de cinquenta anos" para aceder a arquivos. As coisas não se passam bem assim, garanto-lhes. Qual será a causa deste secretismo?
A coisa só começa a melhorar com a introdução deste estudo da personalidade com Claudio Naranjo e depois com os Jesuítas da Universidade de Chicago e Helen Palmer. Ou seja, o estudo da personalidade através do eneagrama encontra-se, talvez, num estádio semelhante à disciplna que Paracelso estudou: um hibrido de alquimia e quimica. Um dia, se aparecer um Lavoisier dos Eneagramas, ficarei plenamente convencido. Até lá, só posso afirmar que filtrei tudo o que aconteceu durante as acções de formação acrescentando-lhe uma pitada de sal.
É importante abordar este tema. Confesso que a carga emocional do grupo e o esforço despendido por nós nestes três dias fez soar algumas campainhas de alarme dentro de mim. Quando estão emoções em jogo, sobretudo quando se inicia a viagem para as descobrir, o perigo de embatermos em algum recife escondido pode dar muito mau resultado. Não me refiro, obviamente, ao perigo das pessoas, conscientemente, interpretarem de uma forma literal o que ouviram. Afinal, possuém um cortex cerebral maduro e foram, além disso, devidamente alertadas pelo nosso "Morpheus J" nesse sentido. O perigo aqui vem de outro lado. Vamos voltar ao filme "Matrix" para melhor exprimir os meus receios.

* * *

Quando Neo, levado por Morpheus e Trinity, vai falar com o Oráculo para saber se é o "escolhido" encontra na sala deste um grupo de crianças e adultos ocupados em actividades que podemos classificar como "mágicas". Fazem flutuar objectos no ar usando o pensamento, dobram colheres, etc. Claro que nós sabemos porque razão o conseguem fazer: estão na matrix e, como tal, existe a aparência de que as leis da física podem ser contornadas. Perante o espanto de Neo, que é um filho de Demócrito como eu, o rapaz que dobra a colher informa-o não ser possível dobrar colheres; que a colher nem sequer existe. A única coisa que se dobrou foi a nossa percepção da colher, alterada por um esforço da mente.
Do mesmo modo, olhando para os resultados escritos do teste de Arganil podemos achar que os números que definem as dominantes das nossas personaidades (e respectivas "asas"), constituem uma registo razoavelmente fíel daquilo que somos. Parece-me ser um pouco cedo para afirmar isso. Estamos ainda no tempo de Paracelso em termos de eneagramas. Ponham um grão de sal, meus caros...
* * *
Este meu cepticismo tomou forma num fugaz momento quando, após os resultados dos testes, o nosso caro "Morpheus E" se pôs a tentar achar ligações entre estes e as características da superstição Babilónica-caldeia que são os Signos do Zodiaco. Um "5" poderia ser dominantes nos Escorpiões; um "8" nos nativos de Leão e por aí fora. Ia-me dando uma coisa!
Em minha opinião esta atitude, embora resultado da sua mente curiosa, parece-me uma prova
indirecta de que os Eneagramas ainda se encontram na era de Paracelso, uma vez que se prestam a especulações estéreis como a que ele estava fazer. Também Paracelso procurou encontrar ligações entre aquilo que um dia viria a ser a Quimica e o Zodiaco. Infelizmente tanto procurou que uma boa parte da energia que deveria ter sido aplicada a levar até às últimas consequências os caminhos descobertos, tiveram de esperar até Lavoisier para serem trilhados. Em resumo: ou queremos que a ciência avance; ou queremos que a crença no zodiaco avance. Não podemos é querer as duas coisas.
Curiosamente, no filme Matrix, o Morpheus padece de um "mal" semelhante.
Em todo o caso, eu não queria acabar a minha arenga sem antes
apresentar uma prova de que a análise à nossa mente através desta ferramenta consegue, de facto, resultados espantosos e observáveis até para uma mente céptica como a minha. Vou falar-vos da nossa cara representante do "numero 1", a qual encaixa como uma luva na personagem do Matrix, Niobe.
A principio ela julgou ser um 4 (como eu); mas encontrou o que parece ser a sua verdadeira natureza no número 1. Tal como acontece, por vezes, numa consulta de medicina (uma verdadeira ciência, note-se), fez-se um diagnóstico e afinal, revelou-se outra realidade. Quando lhe perguntaram o que achava disso achei a sua extraordinária resposta rivalizada apenas pela da nossa esfíngica amiga "8" (a que foi para os trópicos). Note-se, porém, que todos os discursos pessoais foram dados com o coração nas mãos.
Repararam bem no sorriso que ela tinha
quando se revelou uma "party animal" já para o fim da noite? Não; não era apenas o alcool que lhe toldava o juízo. Acho que algo se modificou nela. Uma pequena mudança, certamente, mas sem dúvida que está no bom caminho. Tal como acontece na medicina, um correcto diagnóstico proporciona uma correcta cura (ou o seu primeiro passo). A propósito de Niobe e das suas qualidades: será que ouvi ela ter dito que gostava de escrever? Aguarda-se confirmação. Se for o caso, é favor pôr cá para fora o material de ficção, sim?

MATRIX em Arganil (SINTESE)

Que podemos, portanto, concluir? Veremos o que o passar do tempo nos traz.
Por mim, tenho a dizer o seguinte do Eneagrama: entre outras coisas boas, fez-me escolher engolir a "pilula vermelha" (ir a jogo), em vez da "pilula azul" (tomar a atitude "politicamente correcta").

Só por isso já teria valido a pena.
E agora, o brinde (como diz uma pessoa que eu cá sei):


Let's dance put on your red shoes and dance the blues
Let's dance to the song they're playin' on the radio
Let's sway
while color lights up your face
Let's sway
sway through the crowd to an empty space
If you say run, I'll run with you

If you say hide, we'll hide

Because my love for you
Would break my heart in two

If you should fall Into my arms
And tremble like a flower

Let's dance for fear
your grace should fall
Let's dance for fear tonight is all
Let's sway you could look into my eyes
Let's sway under the moonlight,
this serious moonlight
If you say run, I'll run with you

If you say hide, we'll hide

Because my love for you

Would break my heart in two

If you should fall Into my arms
And tremble like a flower
Let's dance put on your red shoes and dance the blues
Let's dance to the song they're playin' on the radio
Let's sway you could look into my eyes
Let's sway under the moonlight, this serious moonlight

(David Bowie - Let's Dance)


terça-feira, 1 de julho de 2008

As minhas guerras nº4

“What actually happened was that the stress laid upon the unquestionable advantages which would accrue from success was so great that the disadvantages which would arise in the not improbable case of failure were insufficiently considered.”

Comentário da época ao relatório final da
Comissão dos Dardanelos (Gallipoli), 1919

sábado, 28 de junho de 2008

Brindes & favas

Na quinta-feira, a caminho do ganha-pão, ouvi na rádio que o governo havia publicado no D.R. um diploma que garantia às mulheres que praticassem o aborto voluntarimente, o subsidio de maternidade, bem como dias de licença, caso haja algum problema clínico. Embora esta última parte do diploma seja um passo lógico e necessário, o facto de dar um subsídio de maternidade a quem faz um aborto voluntariamente é mais uma prova de que vivemos numa sociedade que glorifica o hedonismo, o facilitismo e o transitório. Será verdade?
Viveremos ainda no Portugal de 1973 em que as pessoas não tinham acesso a métodos contraceptivos e à informação? Não. Vivemos no século XIX em que não existia a pilula (clássica e do dia seguinte), DIU's, preservativos de latex sintético, aceitação do sexo oral e da BDSM como práticas "não-perversas"? Também não. Então o que está por detrás desta medida?
O que esconde esta medida é a sociedade imediatista do Colombo, da sensualidade gordorosa das "revistas Cosmopolitan", da luxúria vazia do "Sexo e a cidade" tudo muito bem misturado com a velhíssima lógica do "isso é lá um problemas delas" (lógica que emerge de forma reciclada, curiosamente, em certos feminismos). Segundo o Director do Serviço de Obstétricia do Hospital de Guimarães "o aborto é cada vez mais usado como método contraceptivo", verificando-se que "muitas mulheres [ou talvez devesse dizer casais, já agora] não vão às consultas de planeamento familiar [requeridas pela lei]". Para quem não gosta, ou desconfie, do link (a Rádio Renascença) está aqui um estudo realizado em 1998 no Brazil que afirma exactamente a mesma coisa para uma realidade parecida com a nossa, o Estado de Rio Grande do Sul.
É verdade que isto é uma das perversões da vitória do "sim" no referendo. As pessoas, da lei aprovada em referendo, quiseram o brinde (o aborto em condições sanitárias) e deitaram fora a fava (a maçada das consultas de planeamento familiar - que chatisse!) como se faz com tudo hoje em dia.
Era natural isto acontecer, de resto. O Grande Satanás do Mundo Moderno é uma coisa chamada disciplina, uma das irmãs da responsabilidade. Disciplinar o prazer, sem no entanto o negar nem a si nem aos outros, era anteriormente o dever dos sábios. Hoje, é a imbecilidade dos tontos, quando muito. Se não veja-se:
A maior parte dos métodos contraceptivos requerem disciplina e cerceiam o prazer, diga-se o que se disser (no caso do preservativo, o que mais me custa é a mó de moinho atada à espontaneidade). A pílula requer, pelo menos, boa quimica hormonal, o que não está ao alcance de muitas mulheres. O DIU é ainda mais complicado. A lista não acaba. E são, todos eles, falíveis, claro.
Tudo junto, há que abdicar de um pouco do prazer imediato para permitir que o prazer no longo prazo não seja ameaçado. Não tem a perfeição de "ao natural", é verdade. Paciência: a vida é trágica.
Claro que o espirito moderno, avesso à noção trágica da vida, horroriza-se perante estes comentários. E portanto, pegou na palavra "direito" e escondeu com este manto diáfano a feia nudez da inconsciência, da glorificação da esterilidade e até o custo pessoal de colocar uma criança no mundo. Chega mesmo a roçar a fronteira da eugenia (como os extremos se tocam!) quando se fala nas "condições económicas" (reais, é verdade) com que nos deparamos hoje em dia para justificar o aborto como método contraceptivo em detrimento dos outros métodos.
É por isso que o governo, solícito, sabendo que muita gente se está nas tintas para as consultas de planeamento requeridas pela lei e referendadas pela sociedade, note-se, premeia este comportamento, elevando à dignidade da maternidade, o acto de abortar, compreensivel como medida extrema ou de saúde pública, censurável em tudo o mais. Dá votos e "é moderno".
Será que não repararam no que fizeram? Ou existo algo mais tenebroso, escondendo-se nas entrelinhas do diploma?
Há ainda outro problema: são conhecidas as histórias de pressões sofridas por mulheres em fábricas e empresas para abortar. Com o diploma, a porta fica ainda mais aberta a estas atitudes. Facilitismo é, portanto, o lema, à esquerda e à direita.

Mas chega de favas. A perversão da medida é tão grande que dentro de pouco tempo irá dar os seus nefastos frutos. É aguardar que passe o verão e veremos então as reacções.
Vamos, pois, ao brinde (A S. é a responsável por esta ideia de contrastar brindes & favas).

Na noite de 5º feira, em resultado desta fava governamental, armei-me em Jonathan Swift e enviei à ED, que é uma rapariga que adoro, uma proposta bastante decente para que ela possa ganhar umas coroas com o subsidio de maternidade, sem contudo passar por uma sala de partos. Passariamos umas noites de sábado mais agradáveis do que o habitual, é verdade. Mas isso seria a condição necessária, como diria Aristóteles. Ela respondeu-me, entre outros comentários, com um poema:

(…) Na noite calma,

a poesia da Serra adormecida

vem recolher-me em mim.

E o combate magnífico da Cor

que eu vi de dia;

e o casamento do cheiro a maresia

com o perfume agreste do alecrim;

e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol

castiga – passam a dar-se em mim.

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.

Chego a julgar a Arrábida por Mãe,

quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada

Pela poalha da hora do Sol-pôr;

Sente-se a vida das seivas e a alegria

que faz cantar as aves na quebrada;

e a solidão augusta que me fala

pela mata cerrada,

aonde o ar no peito se me cala,

desceu da Serra e concentrou-se em mim (…)

Sebastião da Gama

In "Serra-Mãe", 1943


Perguntaste-me o que achei eu do poema. Acho que vais dar uma excelente mãe. Bastante feliz será o pai, sem dúvida.
bjs grandes ED

nota: a foto do post encontra-se aqui