domingo, 22 de abril de 2012

O HOMEM QUE QUERIA SER OFTALMOLOGISTA

Ao contrário do herói de Rudyard Kipling, Bashar Assad nunca quis ser rei. Queria ser oftalmologista e foi-o até ao dia em o irmão mais velho, herdeiro do eterno presidente Hafez al-Assad, morreu num desastre de automóvel. Vítima dos acordos tribais que mantinham a Síria unida foi recambiado de Londres onde vivia pacatamente e teve de envergar a púrpura imperial. A estrutura da sociedade exigia-o: herdeiro da família alawita mais poderosa e, porque "socialista" (secular), era também apoiado pelos cristãos, pelos xiitas e pelos sunitas ricos que não queriam a plebe (a maioria sunita) perto do poder. Lá se foi aguentado até ao abalo provocado pela invasão do Iraque de Bush II cujo fruto é, em parte, a "Primavera Árabe". A plebe, excitada pelo dinheiro saudita e farta dos hereges xiitas do Hizbollah e da corrupção da elite, farejou sangue após a queda de Mubarak e revoltou-se com tenacidade. Começou, pois, uma guerra civil.
Entretanto no Ocidente as boas almas escandalizaram-se com o banho de sangue e exigiram aos seus governos a cabeça do presidente sírio. Nunca consegui perceber porque razão os ocidentais se interessam tanto pelos desmandos de nativos exóticos. Sobretudo nativos exóticos sunitas apoiados pelo inimigo jurado do Ocidente: a Arábia Saudita. Nasceu assim a ideia de que o Presidente da Síria deve ser levado à Haia e julgado. Este desejo está a encostar o Bashar à parede e, com ele, todos os não-sunitas sírios (30% da população). Porque raio Bashar há-de querer suicidar-se para agradar às boas almas? Porque diabo os não-sunitas sírios quererão aceitar fazer eleições que irão pôr um governo "wahabi" no poder, como irá acontecer no Egipto? Está tudo doido? A guerra civil Síria não se transformou numa guerra de extermínio porque Bashar é "mau" e os outros querem "liberdade". Ela transformou-se numa guerra de extermínio porque os perdedores, quaisquer que eles sejam, serão mortos até ao último gato.


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