quarta-feira, 18 de junho de 2008

Cultura americana (Re:)

Caro J.S.:
Agradeço imenso a atenção por esta cabine e os comentários que deixou.

Sou de opinião, porém, que não me consegui exprimir de forma correcta na maneira como tratei o quadro de Norman Rocwell "Runaway". Note que eu não acho que a América (dos anos 40/50 que é a América aí retratada) fosse uma sociedade segura, embora o fosse mais do que a actual, ou democrática - no sentido que actualmente compreendemos a democracia - muito menos que as armas nas mãos de qualquer um possam dar segurança a quem quer que seja. Os americanos de então, sobretudo a América branca (e, suspeito, também a América não branca que só não tinha armas porque ainda não tinha dinheiro para tal), é que achavam isso e o artista ao conceber o quadro, fá-lo para ir de encontro a esse desejo. Este quadro destila todos esses sentimentos de segurança e satisfação complacente, aliás, como um porco no espeto destila gordura e o génio de Norman Rocwell consiste precisamente em ter concebido um registo tão completo. Dito isto, acrescento que não está sozinho no que depreendo ser a sua apreciação do quadro. Pelo que sei, o artista tem sido uma espécie de bombo da festa dos críticos de arte desde os anos 70, cujos dedos apontam as mesmas feridas por si indicadas. É um erro, no meu entender.

Deixo pois, agora, o seu comentário e parto para o que entendo ser o que está por detrás dele e mais para responder aos tais críticos dos anos 70 do que a si (detesto o meio universitário americano de ciências sociais e de belas-artes por reaccionárias razões. A expansão das suas ideias à Europa é uma parte do lado esquerdo do imperialismo americano, se quiser):

A América retratada por N.R., falsa ou não, é tão digna de ser retratada artisticamente como a América que o não era. Será que os murais de Diego Rivera retratavam a totalidade Mexicana? Acho que não. E ele seria menos genial por isso? O seu valor é inquestionável.

Caricaturando o argumento das contradições da pintura de N.R. equivale a dizer que as ideias retratadas na Capela Sistina são um monte de contradições pois aquele Deus não existe e as histórias da Bíblia não passam de um conjunto de lendas do Médio Oriente recicladas pelos profectas judaicos. Não existe e são-no, de facto. Mas a questão não é essa.

***

Há ainda a questão do Império Americano deixar uma legado tão duradouro como o do Império Romano e isso ser uma tragédia. Eu tenho uma opinião que penso ser neutra em relação ao facto de ser uma tradégia. Com isto quero dizer que os Impérios são inevitabilidades históricas e que na nossa era a vez cabe à América. Paciência; existiam hipóteses piores (os nazis, os soviéticos), se serve de consolação.

É trágico vivermos com as consequências do Império Americano nos próximos 2000 anos? Talvez. Mas apenas no sentido em que o legado do Império Mongol o foi para a China do século XIII em diante ou o legado dos Seljucidas foi trágico para a actualidade dos povos de origem Turca. Quando muito poderá ser uma tragédia por causa do poder da tecnologia envolvida no legado (armas nucleares, aquecimento global, para não ir mais longe), o que não é pouco. Mas isso não tem a ver com qualquer perversidade intrínseca à América pois outras sociedades teriam feito o mesmo se tivessem tido essa chance (eu acredito que o ser humano é mau, ganancioso e estouvado por natureza).

Pela extensão da prosa acima, escrita esta tarde, já percebeu que tenho imenso que fazer no meu ganha-pão. Os funcionários públicos não têm emenda, de facto.

Obrigado pela visita. Se tem um blog envie o link que eu junto-o às "Cabines a visitar" no layout do meu.

Rasputine Zoompt

PS: Excelente blog (website) a visitar para se perceber a América actual. Revolucionou a minha visão da dita, pelo menos: http://www.kunstler.com/
O seu autor é um membro (registado) do Partido Democrata amargurado com o espectáculo que os E.U.A. lhe oferecem. O homem já escreveu na revista Rolling Stone, é romancista e possuídor de uma grande capacidade de sátira. A ver.

3 comentários:

Francisco Castelo Branco disse...

Ola! Vi o seu blogue e gostei bastante. Tem muito conteudo e bastante interesse......
Tenho um blogue . É www.olhardireito.blogspot.com ..... Gostava que o visitasse e desse uma opinião....

Obrigado pela atençao

Cumprimentos

Anónimo disse...

Sr. Rasputine:

Obrigado pela resposta, da qual gostei mais do que o Post original, focando-se mais na Arte e não tanto na propaganda pró-USA.
Tenho a lamentar, no entanto, o só publicar os comentários que lhe são elogiosos ou paritários. O que, tendo em conta o seu conceito personalizado de democracia, não é de estranhar.
Só teria a ganhar em assumir as críticas e evitar o isolamento. As pessoas que lêem "blogs" são de esquerda. As de direita estão ocupadas a "fazer" dinheiro ou ocupadas com futilidades ocas que o Império Americano as viciou a fazer (ao contrário do Império Romano). As do centro-cinzentas, é de fugir, são pessoas sem ideias.
É pena, os seus conhecimentos e discorrência literária mereciam mais leitores. A metáfora laranja de Van Gogh e dos cavalos azuis de Waterloo é arrebatadora. Mas talvez seja esse lirismo que o impeça de perceber que a cultura dos EUA é a Cultura da Violência (dentro e fora de portas).
"The United States has less than 5 percent of the world’s population. But it has almost a quarter of the world’s prisoners." –The New York Times – Abril 2008

cordialmente,

J.S.

João Paulo Carreteiro disse...

Senhor J.S.
Eu não publico só os comentários que me são elogiosos. Acredite se quiser. Sucede que, talvez por ser um blog recente e por a maior parte das pessoas que o lêem serem, ou minhas amigas, ou pensarem de maneira semelhante só recebi elogios (com a excepção de um post mais lá para trás em que houve um mal-entendido mas que já teve solução - anuí e mudei o post). Obviamente, com o passar do tempo e com o "passa-palavra" o número de discordâncias educadas irá aumentar. Se tudo correr normalmente, as leis da estatística encarregar-se-ão de equilibrar mais as coisas. Não tem nada a ver com conceitos de democracia personalizada ou não. Em relação à violência (e ao seu culto) a América pode ser o que é, mas garanto-lhe que o Império Romano (sobretudo o do apogeu) era muitíssimo mais duro e cruel. Acho até que o sucesso do cristianismo foi um resultado directo do sofrimento causado por essa mesma violência. No que diz respeito às pessoas de direita estarem entretidas a ganhar dinheiro e as de esquerda em actividades mais artísticas ou louváveis isso não sei nem tenho opinião formada.

Obrigado por gostar da minha prosa.
Cumprimentos
Zoompt Rasputine