quinta-feira, 10 de julho de 2008

Dâmocles & associados, S.A. - I Parte

Dada a minha conjuntura actual parecer o ambiente que se vive actualmente nos mercados financeiros, achei interessante e de muito bom tom opinar sobre os ditos. Para além disso, os participantes (nos mercados financeiros), embora apresentem uma cara relativamente despreocupada na comunicação social (percebe-se porquê), permanecem, desde Agosto do ano passado, à beira de um ataque de nervos. No meu caso, a coisa tem apenas algumas horas mas francamente, embora não ache que vá ajudar quem quer que seja a fazer escolhas mais sábias (inclusivé eu próprio), servirá pelo menos para me distrair. Certo?

É já sabedoria convencional achar "que algo vai mal" nos bancos, nas empresas, na vida em geral. Mas nem por isso vejo comentadas na comunicação social as causas profundas da situação mundial. Afinal o que se passa com o dinheiro? Quando muito, dizem: "estamos numa recessão" ou "a entrar nela"; nada que "acções concertadas" como ouvi dizer anteontem na CNBC, "não resolvam". Esta comunicação social a que me refiro, está claro, não é a nacional porque essa, coitada, limita-se a reproduzir os comunicados da A.P. ou da Reuters e o que vêm nos canais lá do Planeta Terra. Não faz mal: o público também não é muito exigente. Mas em relação aos leitores da Cabine é forçoso subir a fasquia, até porque, pelo que tenho visto no contador de visitas ao perfil já vamos nas três centenas de visitantes. Bravo! Há pelo menos público no circo!
O que vou dizer a seguir não apareceu na minha cabeça, como Minerva, mas é o resultado das opiniões existentes nos meus blogs preferidos, no Economist (o melhor periódico económico que por aí anda), da minha visita aos Estados Unidos (em 2006) e das observações que faço no dia-a-dia, de taxistas a colegas do ganha-pão. O resto são deduções retiradas da História, a qual, como sabemos tem tendência para se repetir.

Peço, pois, que dêem uma olhada a esses blogs e sites se acharem que exagero; afinal, eles falam do futuro próximo de todos e fazem-no de uma forma magistral. São pessoas que andam no meio e estão repletos daquele humor que só o desespero consegue gerar. Aqui estão: Kitco.com, PrudentBear.com, Going Private, Kunstler.com, Sic Semper Tyrannis e o extraordinário Cassandra does Tokyo, descoberto por mim há coisa de dois meses e actualmente o meu blog preferido.

As origens do problema financeiro actual.
(um modesto contributo)

Era uma vez um sistema financeiro internacional baseado nos compromissos assumidos no "Acordo de Bretton Woods". Esse acordo, resultado da vitória dos Estados Unidos da 2ª Guerra Mundial, pretendia, entre outras coisas, juntar duas virtudes: o rigor exigido pelo ouro como garante último das transacções internacionais e a flexibilidade do papel-moeda como gerador de riqueza. O dólar, moeda do vencedor e maior credor mundial, serviria de ponte entre estas duas necessidades aparentemente antagónicas. Durante quase três três decadas, a coisa funcionou, permitindo o financiamento de tudo desde a guerra da Coreia à animação de rua do Maio de 68.
Mas como é próprio dos Impérios, os Estados Unidos, em resultado dos gastos com o seu próprio "pão & circo" (programas sociais/subsidios vários & sociedade de consumo), e da necessidade de pagar a guerra do Vietname e manter o aparelho militar-industrial, deram o passo que tantas vezes no passado plantou a semente da destruição imperial: a desvolarização da moeda através do divórcio entre esta e o ouro. O garante do acordo, a solidez do dólar, desapareceu assim do dia para a noite.
Esta medida ocorreu no dia 15 de Agosto de 1971 pelas mãos do Presidente Nixon: o dólar deixaria de ser automaticamente convertido em ouro. Isto significa que o Tesouro dos Estados Unidos e a Reserva Federal se poderiam recusar a trocar papel moeda por barras de ouro. A América ficaria assim livre para imprimir o papel de que necessitasse. E, meu Deus, como o imprimiu! Observem o seguinte gráfico:


Desde 1971 a quantidade de dólares a circular por esse mundo fora subiu vertiginosamente, cortesia da reserva federal americana. Como qualquer estudante da história económica da antiguidade sabe, os Césares fizem exactamente o mesmo diminuindo a quantidade de ouro e prata nas moedas e aumentando o número das mesmas. Resultado: queda na confiança na unidade monetária e uma espiral de inflação.
Actualmente é esse o cenário que se vive. Porque não é apenas um problema do dólar. Às suas respectivas escalas todos os países, libertos da disciplina do ouro e acorrentados à disciplina da insaciabilidade popular e da tentativa de se manterem competitivos através da desvolarização da moeda (a China, por exemplo; Portugal até ao Euro, outro exemplo), fizeram exactamente o mesmo. Quem tiver paciência para procurar o crescimento da massa monetária em países escolhidos ao acaso acabará por chegar a um gráfico semelhante. Quem não tiver pode sempre apreciar a situação no Zimbabwe, como um exemplo edificante do que significa imprimir dinheiro como se não existisse amanhã.

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E que tem isto a ver com a situação actual? Vamos por partes; o post já vai longo. Continuarei esta temática durante a semana...

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