domingo, 6 de julho de 2008

MATRIX em Arganil (TESE)

Mas que diabo tem o "Matrix" a ver com os Enagramas de Arganil? Tem muito a ver: o enredo do filme assenta no pressuposto de que a maioria dos seres humanos julga viver "na realidade", quando afinal, todos nós nos encontramos, de uma forma ou de outra, alienados desta. No filme, os seres humanos, sem o saberem, vivem do nascimento à morte, em envolucros estanques, ligando-se unicamente através da mente, numa realidade imaginária chamada matrix. Na acção de formação constatámos (para resumir) que de certa maneira as pessoas vivem assim. A humanidade encontra-se encerrada nos seus próprios "Eu" individuais, relacionando-se com os outros de formas muitas vezes artificiais e deturpadas. Atente-se nisto, porém: não é que não possamos viver as nossas vidas de forma mais ou menos feliz nestas condições. O problema está no dispêndio de energia, desperdício, mal entendidos, atritos, confrontos e sobretudo angústia gerada em vidas desconectadas umas das outras. Esta interpretação, note-se, não surgiu só da minha cabeça. Muito boa gente chegou lá antes. E para gostos classicistas há sempre a alegoria da caverna.

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Entra novamente o Matrix. No início do filme um sujeito chamado Neo, é contactado por um grupo de desconhecidos chefiados por Morpheus, o qual, é o líder do movimento de resistência que procura libertar a humanidade da escravatura imposta pelas máquinas. Em Arganil, tivemos a sorte de ter dois "Morpheus", o formador que apresentou os Eneagramas e o organizador do evento, o actual coordenador do "Projecto Lázaro". Por conveniência vou chamar ao primeiro "Morpheus J" e ao segundo "Morpheus E". À sua maneira, eles também nos procuram dar meios para derrotarmos um tipo muito especial de escravatura: a escravatura das reacções automáticas que possuímos quando procuramos reagir ao stress. São sobretudo estas reacções que ao embater nos outros ou nós próprios, provocam o sofrimento e a desconexão com o(s) outro(s). Tal como no filme as máquinas retiravam o seu sustento da electricidade gerada pelos humanos, também estas reacções automáticas retiram do nosso interior a energia que bem direcionada poderia propiciar boas acções. É uma coisa bastante parecida que no filme, Morpheus, explica a Neo mostrando-lhe uma pilha. Os nossos pontos fortes e fracos são essa pilha.
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Confrontado com a realidade enunciada por Morpheus, Neo - que ainda vive na matrix - tem de escolher entre engolir a "pilula vermelha" (escolher viver na realidade) e a "pilula azul" (escolher viver na matrix). Uma decisão semelhante é, afinal, aquela que se apresentará mais tarde ou mais cedo a todos os que se propõem partir à descoberta de si próprios:
Como é que vai ser a partir de agora? Que fazer a seguir? Tornarmo-nos melhores seres humanos, crescendo para dentro e para fora (pílula vermelha)? Ou então, manter tudo na mesma, gozando calmamente a tranquilidade artificial dos vícios inerentes a cada "número" (pílula azul)?
Esta, claro, será uma decisão que irá ser tomada, repetidamente, ao longo da vida e em cada momento dela, até ao seu final. Ao contrário do filme, as escolhas importantes levam tempo a maturar e são produtos de acções que se desenrolam ao longo do tempo, em cenários sob constante mutação.

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A vertente mais proveitosa da nossa expedição a Arganil não foram, todavia, os Eneagramas. Eles foram mais o pretexto, afinal. Tratou-se de uma viagem em que o lazer e a proximidade humana constituíram os pontos fortes. Mas nem sempre, o lazer propriamente dito ou a abertura da alma perante o grupo, foi o potenciador da aproximação. No que me diz respeito, a electricidade gerada, foi suficiente para proporcionar momentos como aquele, por exemplo, em que a Trinity - tal como aconteceu no filme Matrix - se vê frente-a-frente com o Agente Smith. Em Arganil, vi a nossa versão dela, esgrimar com o seu próprio Agente Smith interior para me conseguir revelar um pedacinho do que mais profundo lhe deve andar pela alma.
Só resta saber se, como aconteceu no filme, a nossa Trinity irá ganhar-lhe.
Desejo-lhe toda a força do mundo. Se há alguém neste planeta que merece uma vitória sobre si própria é ela.

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