terça-feira, 1 de abril de 2008

Cimeira da Nato em Bucareste

Os líderes do Ocidente Cristão estão neste momento a chegar à capital da Roménia, Bucareste, para mais uma Cimeira da NATO. Trata-se essencialmente de uma demonstração de unidade da elite política perante os povos que juraram defender. Ver Website aqui.
Deste lado do cordão de segurança, desde jornalistas aos iluminados do costume, todos procuram, por sua vez, provar ser esta a cimeira que irá mudar tudo ou acabar com tudo. Esta apocalíptica certeza pairara já em Riga há dois anos atrás; agora o ritual repete-se. Possivelmente com o mesmo cerimonial litúrgico das manifestações anti-globalização e das fotografias da praxe, seguida pelo climax cálido das declarações ocas e o embrulhar da tenda para, daqui a dois anos, tudo voltar à mesma (apropriadamente, para dar um de "desafio" numa cidade do leste da Europa). Estas Cimeiras quando comparadas com os seus distantes antepassados, os "Congressos" do século XIX, sobram em «mediatismo» o que lhe falta em substância. É paradoxal: os Congressos eram quase encontros de iniciados mas os seus resultados eram públicos e percebidos por todos; estas cimeiras arrastam centenas de jornalistas e alguns milhares de peregrinos (de analistas, consultores e fornecedores de logística aos místicos semi-profissionais das "manifs") e qual é o sumo da coisa?
Alguém se lembra do que foi decidido em Riga?

Em parte a grande diferença reside, não como se poderá superficialmente imaginar na "complexidade do mundo actual", lugar-comum oco, mas na diferença de mentalidades nos políticos e nas respectivas sociedades. Veja-se a situação do mundo em 1878, quando se reuniu o Congresso de Berlim: era pelo menos tão complexo como o actual (descontando os problemas ambientais). E o que é mais irónico, era complexo precisamente nos mesmos locais que agora pesam nas mentes de participantes directos e indirectos, a saber: Balcãs e Afeganistão. A Rússia é o grande protagonista, presente em 1878 e ausente agora por razões óbvias. O destino do decadende mundo islâmico o ruído de fundo (O colapso lento do Império Otomano e o Afeganistão em 1878; o Kosovo e o Afeganistão agora). Curioso, não é?

Actualmente parece tudo muito mais desligado do mundo real; a coragem de falar claro relativamente aos escolhos geo-políticos (ou sejam onde terminam as respectivas áreas de influência) foi substituída pelo medo de que algures, em alguma sondagem, se percam pontos percentuais por não se respeitar os "direitos humanos" ou por se estar ao serviços de "interesses". Ao mesmo tempo os políticos devem manter quentinhos os seus eleitores, os quais, habituados como estão a que lhes façam todas as vontades, não se dispõem a fazer a mínima concessão neste capítulo, ainda que na prática, algum povo bárbaro se lixe para que isso seja possível. Queremos virtude e ao mesmo tempo conforto!
Que diriam os nossos antepassados?

Falemos claro: a expansão da NATO para os Balcãs e para a Geórgia (Estaline deve estar às voltas) enfurece a Rússia que vê o Ocidente e o que é pior, o estilo de vida ocidental cada vez mais próximo do centro do Império e das sua maior fonte de petróleo: o eixo Baku-Grozny-Maykop. Por essa razão a França e a Alemanha não pretendem que a Ucrância, a Geórgia e os países balcânicos entrem na Aliança: não querem perturbar o urso russo que fornece o gás natural mais barato disponível à Europa.
Por outro lado os Estados Unidos cujo gás natural vem de outros lados quer um avanço da NATO o mais possível para Leste a fim de emparedar os Russos e meter uma cunha a norte do Médio Oriente. É o braço de ferro entre estas duas correntes que estará em cima da mesa na Cimeira de Bucareste.
Este desejo expansão é, na minha opinião, aceitável pois expandir a NATO significa expandir o Ocidente e o seu modo de vida. É o primeiro degrau para o estabelecimento de sociedades minimamente coerentes nesses recondidos sítios. Mais: os russos não poderão fazer absolutamente nada: fecha a torneira do gás? Nós somos os seus melhores compradores e a China usa carvão (que dispõe em abundância para aquecimento e electricidade); não precisa, como nós, do gás russo. É precisamente por se saber fraca que tanto tem esbracejado contra esta expansão e contra, por exemplo, o sistema americano de defesa anti-missil.

Infelizmente isto não é assim percebido pela generalidade do público ocidental que do fundo do seu conforto muge aflito sempre que o Ocidente conhece alguma vantagem, mesmo em território cujas sociedades são susceptiveis de serem ocidentalizadas em profundidade. O desejo de virtude é a nossa única verdadeira religião, de facto. Isso e permanecermos quentinhos no Inverno resmungando contra o «parvo do Bush».

Ir-se-á ouvir por parte dos Europeus durante esta cimeira (através de insinuações, claro) o argumento de que a NATO serve apenas para a defesa do Atlântico Norte. Este argumento é também usado pelos detractores da guerra no Afeganistão. Relembro, porém que a Organização só tem esse nome porque depois da 2ª Guerra Mundial se recuou com horror perante a ideia de que o Ocidente seria um todo coerente e passível de ser defendido com uma organização de alcance mundial. A luta contra o poder soviético foi, lembro, lutada região a região através de réplicas fantasmagóricas da NATO (SEATO, ALADI, etc). Na altura e depois nos anos 60 e 70 este auto-horror expandiu-se (alimentado pelo comunismo internacional - chamêmos os bois pelos nomes) e de tal maneira se pegou ao discurso político que depois da queda do Muro muito boa gente se opõs à expansão desta para os países do derrotado Pacto de varsóvia.
Agora esse discurso é usado para fazer festas ao Urso Russo a fim do gás natural continuar a fluir. E ainda - ao mesmo tempo - se clama contra o aquecimento global!
É lamentável!
Que diriam os nossos antepassados?
Que dirão de nós os nossos descendentes?

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