domingo, 6 de abril de 2008

Olimpiadas do disparate

A excelência moral do Ocidente volta a atacar. Sob a inesperada neve primaveril que caiu durante o dia de Domingo uma corrida de apanha-a-chama-olimpica desenrolou-se em Londres durante todo o percurso desta, ou seja, do estádio de Wembley até à Arena O2 em Greenwich. Depois dos treinos na Grécia (a extrema esquerda grega sempre tão dada a manifs primou pela candura) este novo desporto olímpico suscitou grande interesse na Inglaterra. Aparentemente a organização inglesa do transporte da chama olímpica julgou exorcisar os escrúpulos dos mistícos ocidentais chamando ao evento "Journey of Harmony", expressão que pode ser traduzida, no contexto, como "corrida da harmonia". Esqueceram-se que o moderno misticismo ocidental (desde que exercido num ambiente favorável, claro) é talvez o mais tenaz movimento de massas do mundo contemporâneo. Se deseja algo não descansará enquanto não o tiver demonstrado na televisão. O resultado prático no proclamado alvo a abater é secundário, até porque gosta particularmente de causas perdidas. O seu único e verdadeiro alvo é, porém, o próprio umbigo, descendente contemporâneo da glândula pineal do Descartes, o local onde a alma do homo occidentalis moderno entra em contacto com o corpo e se torna «verdadeiramente» humano.
A moda da semana é odiar o governo chinês por causa do Tibete e, consequentemente, tudo fazer para atrapalhar os jogos de Pequim. Também o Darfur foi metido no mesmo saco pelos manifestantes.
É escusado tentar fazer perceber os místicos ocidentais que se querem lutar contra o governo chinês estão a mordê-lo no sítio errado. Em todo o caso faço uma tentativa:

- A China exporta milhões e milhões de objectos (muitos deles inúteis) para o Ocidente: desde t-shirts a esferográficas e computadores. Alguém verifica as etiquetas e aje conforme? Não. Diz a sabedoria convencional: Isso é impossível, os nossos produtos (ou seja os nossos empregos) são mais caros!

- A China compra com o dinheiro das suas exportações os bonds que garantem as hipotecas das casas que compramos do Cacém a Tucson, e em particular, dos cartões de crédito. Alguém se coibe de comprar, usando o cartão de crédito, o mais recente IPod? Alguém compra a casa a pronto, ou pelo menos aluga-a, como fazia antigamente a classe média, em vez de entrar no primeiro banco que vê, endividando-se até aos cabelos? Não. Diz a sabedoria convencional: alugar casas é para os pobres e pagar a pronto é para os ricos.

- A China, ao contrário da África, por exemplo, acha que o capitalismo é afinal uma boa ideia para sair da Idade Média para onde se retirou no século XV. Alguém pensou nas consequências que este despertar teria na posição dominante do Ocidente e consequentemente nas suas ideias, como a democracia? Não. Diz a sabedoria convencional: Eles têm o direito a ter o nosso nível de vida e são um mercado muito bom para fazer negócios da China. Para o diabo o planeta, e para o diabo os racistas dos Ocidentais brancos e previligiados e para o diabo os seus empregos e a sua civilização.

A China candidatou-se e ganhou a organização dos Jogos Olimpicos de 2008. Faz parte do misticismo ocidental achar que os Jogos Olimpícos devem estar acima da política. Jimmy Carter foi vilipendiado por ter boicotado os Jogos de Moscovo: gritou-se então que era contra a paz e o entendimentos dos povos. Muitos dos místicos que vemos a chorar o Tibete vilipendiaram esse presidente americano pela sua posição. Agora chamam nomes por não se boicotar os Jogos de Pequim. Em que ficamos, então? Que excelsa qualidade faltava aos afegãos e aos Europeus de Leste que os Tibetanos parecem agora ter?

Esta gente enche-me as medidas: tenho um crescente nojo pelos místicos do Ocidente, nojo só superado pelos políticos que eles elegeram ou deixaram eleger como resultado da incapacidade de castrados que são por não serem já capazes de gerar um Trotsky.

Falta agora aguardar pelo round do apanha-a-tocha-olimpica em Paris. Os místicos ocidentais franceses são ainda mais patéticos e o Sarkozy vai exercer todos os seus poderes de Humpty-Dumpty para dar à França e ao mundo uma imagem de manifestante-comandante de carga polícial como só os politicos franceses sabem dar.

Uma última palavra, esta de apreço: a polícia inglesa é de facto uma das mais civilizadas organizações do mundo. Vejam só como eles conseguiram gerir a coisa com a dose certa de dureza, contenção e respeito por quem demonstra a sua opinião.

Pareciam pastores a conduzir um rebanho de ovelhas assustadas.
Os manifestantes, nem que seja só por isto, deviam ter vergonha na cara.

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