sábado, 19 de abril de 2008

Ilusões macabras

O título deste post, plageado do título de um livro de Cunha Leal, publicado em 1964 e relativo às intenções do Governo de então em relação ao ex-Ultramar, serve como uma luva para descrever a presente atitude dos governos mundiais - e respectivas sociedades - em relação áquilo a que chamo (à falta de melhor) "O que aí vem".
"O que aí vem" é, sucintamente, o colapso daquilo a que nos temos habituado a encarar como (igualmente à falta de melhor) o "mundo moderno". Não sei se o colapso virá daqui a um ano ou dez. Nem sei se a sua fase aguda terá um impacto imediato ou se se arrastará por um tempo mais ou menos longo. Aliás, como aconteceu com o Império Romano do Ocidente, as luzes podem até extinguir-se de todo, só voltando a reacender-se no milénio seguinde e aos poucos. Calculo, porém, que a vida fácil da 2ª metade do século XX e início do XXI - sim; apesar de tudo - acabou e não voltará mais.
Os sinais estão aí para quem os quer ver. Ao longe, no telejornal nacional chegam ecos distorcidos de problemas "lá fora"; há o Bin Laden e o seu franchising de patifarias; um desassossego geral no terceiro mundo e dificuldades no dia-a-dia. "A vida está cada vez mais cara" oiço dizer em conversas com colegas meus do ganha-pão e em mails de amigos em terras exóticas. Nas televisões estrangeiras os problemas estão mais visíveis e são dissecados com maior profundidade, é verdade; e existem websites (alguns com links na cabine) que mostram a nudez assustadora da crise que aí vem. De um modo geral, todavia, muita gente continua a confundir causa com consequência, o que é muito mau tendo em conta que tempos de turbulência requerem análises certeiras.
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O nome deste blog não foi escolhido por acaso, como julgo que acontece com a maioria dos seres da blogosfera. De facto, acho que a actual sociedade é bastante parecida com o Titanic na sua uníca viagem: um milagre técnico, com condições de vida a bordo nunca antes atingidas - mesmo na 3ª classe - e universalmente considerado invulnerável. Assim vai este mundo. A crise ambiental? Todos a lamentam como antigamente se lamentava a existência de povos pagãos: "há-de se resolver isso com penitências e missionários". A crise política? "dêem-lhes tolerância, que as diferenças diluêm-se". A crise financeira? "baixem os juros (ou seja, imprimam dinheiro) para as pessoas continuarem a comprar coisas (ou seja, endividando-se mais e mais)".
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Há-de de chegar o Iceberg. E quando chegar as pessoas hão-de passar o primeiro dia a brincar no gelo tombado sobre o convés. Creio nisto como muitas pessoas crêem, por exemplo, na 2ª vinda de Cristo.
Esse Iceberg tem um nome: pico petrolífero. Em torno deste Titanic planetário, enormes blocos enchem as águas ainda há pouco tempo limpas. Já estamos, portanto, perto da área de embate: a gasolina não pára de subir nas bombas. E, por arrasto, tudo aquilo que directa ou indirectamente depende do petróleo, desde o pão e bilhetes de autocarro a aspirinas e água potável, sobe. Curiosamente certos itens vêm o seu valor cair: casas à venda e o dinheiro que temos na carteira não param de perder valor.
A reacção das pessoas que vejo todos os dias relativamente a esta subida é um bom exemplo da cegueira reinante, como disse. Não é que eu julgue saber mais do que quem quer que seja; afinal a informação está disponível para todos. O que me custa é aperceber-me que muita gente está a confundir causa e efeito; na altura do embate propriamente dito pode fazer toda a diferença discernir a fonte do problema de modo a conseguir colocar o maior número de pessoas possíveis nos botes salva-vidas. Disso, depende afinal a viabilidade para continuar a ser possível um modo de vida civilizado (o que não inclui apenas ausência de selvajaria, mas também hospitais, eleições e Estdo de direito).

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Ontem ou anteontem estava a caminho do ganha-pão e ouvi na Rádio um ouvinte comentar dever-se a subida do custo de vida "às especulações dos fundos [de investimento]". Sem dúvida que a fuga de capitais para as matérias-primas, provocada pelos primeiros icebergs (a queda do mercado imobiliário) provocou a subida do preço dos produtos finais. Afinal, a maneira mais fácil de escapar a uma bolha especulativa é criar outra bolha especulativa onde o capital se possa refugiar (à maneira das pragas de gafanhotos). Infelizmente, para o ouvinte esta era a única fonte da subida dos preços. Não foi a primeira vez que ouvi esta ideia. Também nos jornais e nos taxistas, começa a tornar-se sabedoria convencional a ideia de que "os especuladores e os bancos" (odiados por causa do preço das prestações das casas) estão por detrás da carestia de vida.
As pessoas (isto é, a classe média) parecem esquecer-se - ou ignorar - que os fundos de pensões, aplicações de poupança e os empréstimos das casas floresceram durante os anos 90 precisamente a seu pedido. Quem aluga casa? "Isso é para os pobres"; Quem pediu aos governos descontos fiscais a troco de PPR's? "Os que neles votaram". Quem foi de avião para as Seychelles montado num cartão de crédito? "Muito boa gente que, a pronto, nem dinheiro tinha para umas férias no Algarve".
Obviamente que os bancos e demais instituições financeiras têm de aplicar capital em algum sítio para financiarem toda a dependência consumista do cidadão comum. Até Agosto de 2007 foi o imobiliário; agora "futuros" de petróleo, gás natural, trigo e ouro. E como precisam de ganhar dinheiro tendem a vender mais caro o que compraram barato.

Mas a fonte do problema é outra. Paralelamente a este ruído de fundo quase não passa uma semana em que não é descoberta "mais uma jazida petrolífera". Até ao largo de Peniche já se fazem sondagens! Estas notícias são o som das petrolíferas a "rasparem o fundo do tacho planetário". No mundo actual as grandes jazidas de sweet crude em terra firme estão esgotadas. E não há outras. Há apenas petróleo em sítios ou de dificil acesso (em alto mar e nos Polos), ou de fraca qualidade (demasiado enxofre, demasiada água, demasiado cascalho) ou as duas coisas. Consequentemente, o preço não pode baixar, ainda que os fundos de investimento não comprem uma gota de crude. É uma razão geológica que impede que os preços desçam através do aumento da oferta, à qual, se junta uma razão financeira que impede por sua vez que a procura diminua por muito má que a economia esteja. Estamos pois entalados entre o fogo e a frigideira.
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Chegámos à questão. Nos últimos, digamos, trinta anos, tomou-se consciência de que os recursos ambientais se estão a esgotar. Esta tomada de consciência é patente na ascenção da ideologia ambientalista, a qual, substituiu a crença no amanhã socialista na cabeça de muita gente. Mas até aqui, quando extremista, era apenas uma forma de demonstrar superioridade moral à falta de um Deus cristão. Agora, porém, sente-se na carteira e na constante diminuição da terra arável, a crise profunda em que o meio ambiente caiu. Motivo: se até aqui o Ocidente explorava quase sozinho os recursos do planeta, agora (a partir dos anos 90) largas porções de humanidade como a China, a India, a América Latina, e até alguma parte da África começam a vislumbrar ser possível atingir o nosso nivel de vida. Infelizmente o planeta é só um. E portanto, pela lei da oferta e da procura, o preço das "coisas disponíveis", aumenta. É uma trágica inevitabilidade. Tão inevitável como o Iceberg que afundou o Titanic.

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E a Pátria? Que pensará a nossa elite de tudo isto?
Parece que Luís Filipe Menezes caiu. Aléluia! Comentário de um alto-quadro do PSD (cujo nome infelizmente não consegui apanhar - se alguém souber diga-me):
"Se eu estou preocupado com demoras em aparecerem candidatos [à liderança do partido] capazes? Eu espero que todos se entendam até Junho. Não nos podemos esquecer que em Junho começa o campeonato Europeu de futebol e temos todos de estar unidos para apoiar a selecção".

Lembrem-se: é gente deste calibre que nos irá governar durante a crise que aí vem.

1 comentário:

Anónimo disse...

Brilhante, como é costume.

É tão bom ler-te como falar contigo.

Lamento não ser um desconhecido mas é o que se arranja. Não percas a esperança nas fotos

Bjs
M.